Quando foi a última vez que você fez algo pela primeira vez?
Pela primeira vez, eu decidi participar de um concurso fotográfico. O Analog Sparks é uma competição que acontece duas vezes ao ano e premia fotógrafos nas categorias profissional, amador e estudantes. As fotos necessariamente precisam ser feitas em processo analógico e podem sofrer alterações com técnicas digitais, criando um formato híbrido.
Dentre os vários temas, por um impulso, escolhi arquitetura. Nunca foi uma coisa que eu fotografasse com frequência, mas pensei que poderia ser algo desafiador e um tanto quanto empolgante, já que fazia algum tempo que eu não me comprometia em fazer fotos de um tema específico – apesar de no meu caderninho pessoal as ideias estarem todas ali anotadas, mas sem muito ímpeto de concretizá-las (isso é assunto para outro texto).
O prazo para as inscrições estava bem confortável, daria tempo de eu criar as fotos, revelar, digitalizar com folga e enviar para avaliação. E então em um domingo de sol, eu e meu namorado resolvemos fazer uma caminhada/trilha por um caminho diferente do que estávamos acostumados, aqui nos arredores de Almada – lugar que estamos morando desde março desse ano e que ainda estamos explorando e conhecendo. O caminho nos levaria a uma prainha, embaixo da ponte 25 de abril, uma ponte grande e com uma estrutura similar à da Golden Gate em São Francisco, CA (pênsil).
Desde que cheguei à Portugal, essa ponte sempre me chamou atenção. Não só por ser um dos cartões-postais, não só por ser parecida com a famosa Golden Gate, mas também por ligar Lisboa – a capital – à margem-sul do Rio Tejo. Há um certo simbolismo e os locais tem orgulho dessa construção, que também homenageia o fim da ditadura militar do país, oficializada no dia 25 de abril de 1974. Achei que seria interessante aproveitar a pequena aventura e fazer essas fotos de algo que realmente é importante para a comunidade local.
Preparei o equipamento, ajustamos a mochila e partimos às 10h da manhã. Já era um horário tardio para fazer essa rota, por causa do sol quente, mas seguimos animados. Todas as vezes que fazemos essas caminhadas eu penso em algum tema para fotografar, mas nem sempre as ideias seguem adiante ou nem sempre estou com uma câmera na mão para fotografar espontaneamente. Recentemente comprei uma câmera meio-quadro bem compacta que me fez companhia em 2 viagens recentes e, confesso, foi um investimento muito legal que fiz – pela sua praticidade e peso. Em breve vou escrever sobre a experiência também.
Enfim, após alguns minutos de andança, subida de morro e descida em asfalto zoado, chegamos à entrada que nos levaria até embaixo da ponte. O caminho de terra, uma trilha quase imperceptível, com bastante vegetação alta trouxe aquela vibe de aventura. Eu, no alto dos meus 35 anos, fora de forma, acima do peso, tive minhas pequenas dificuldades em alguns momentos. Trabalhar as coxas, a firmeza dos tornozelos, aquela atenção especial ao seu redor para não meter a cabeça num galho grosso... abracei as dificuldades e aproveitei o momento. A câmera já em punho, comecei a fazer fotos de diversos ângulos diferentes.
A ponte 25 de abril tem um vermelho bem vivo, mas o filme que escolhi era preto e branco e eu estava usando um filtro verde na lente pela primeira vez. Num dia ensolarado e com o céu cheio de nuvens, achei que seria uma boa oportunidade de testar esse efeito de alto contraste entre a ponte, o céu, as nuvens e a vista de Lisboa ao fundo – e deu muito certo. Também caminhamos por entre rochas, um caminho um tanto quanto perigoso para quem não tem experiência, por ser escorregadio, não nivelado. Mas com calma e cuidado fomos seguindo até estarmos exatamente embaixo do meio da ponte.
Os carros e caminhões passando acima das nossas cabeças, o barulho do trilho do trem, a rota de aviões no céu que não para, a calmaria do pescador na nossa frente que nos disse fazer aquele caminho todos os dias e um momento de descanso e contemplação. Entre um respiro e outro, uma foto e outra. Fotografar no analógico é isso, você não tem certeza do que vai sair, apenas uma ideia. Eu tinha uma ideia em mente, mas até você ver o resultado final, você esquece, você anseia, ao mesmo tempo que deixa estar, desencana. É como um presente-surpresa que você escolheu, mas não sabe como vai chegar.
Terminei um filme inteiro naquela manhã, 36 poses. Nem sempre eu consigo essa façanha, porém naquela ocasião foi fácil.
O resultado das fotos foi ótimo, melhor do que eu esperava, na verdade. Como disse, eu não tenho experiência com fotografia de arquitetura e, portanto, minha expectativa estava baixa. Me surpreendi. Gosto do simples, onde eu não precise fazer grandes edições para chegar a um resultado que me agrade o olhar e foi o que fiz. Mexi nalgumas fotos, cortei, alinhei horizonte e enviei. Simples, rápido e fácil.
A expectativa do concurso também era baixa, eu não tinha pretensão alguma de ganhar um prêmio. Era a primeira vez, e eu só participei porque em um concurso é exigido que você foque naquele tema, faça as suas fotos e entregue algum resultado dentro do proposto. Exatamente o que eu estava precisando para sair do meu conformismo fotográfico. Foi o verdadeiro empurrão.
E depois de alguns meses de espera, para a minha surpresa (mais uma), eu recebi a notícia de que tinha ganhado uma medalha de bronze na categoria em que escolhi. Quando li o e-mail pela primeira vez eu não entendi, mas depois reli e acessei o site e estava lá, o meu certificado de participação e a menção do prêmio. Uau! Poxa, que bacana! Dentre tantas fotos maravilhosas e bem curadas, as minhas fotos simples da ponte foram notadas. A sensação que tive foi de lisonjeio e também de missão cumprida. Eu não demorei a tomar a decisão de participar e também não demorei a me programar para fazer as fotos, foi tudo muito no impulso – e isso também se deve ao incentivo do meu namorado, que costuma ser mais ativo do que eu em seus processos criativos e também uma grande inspiração.
A procrastinação como uma desculpa de um falso perfeccionismo ainda me persegue, e eu trabalho muito esse assunto em terapia; existe uma insegurança em certas áreas da minha vida e claro, na fotografia – que é a minha principal forma de expressão artística também não seria diferente. Mas o fato de ter ganhado esse prêmio me fez ver que o simples com intenção tem muito valor. Que a experiência, a diversão e a despretensão também fazem parte do processo. E eu sou muito grata por ter conseguido fazer e enxergar isso.